quinta-feira, 1 de agosto de 2013

DEUS ME LIVRE

         Deus me livre desta tristeza que me toma, desta vontade de chorar fora de hora, desta vontade de não mais lutar, ou sonhar, ou ser forte. Deus me livre. Deus me livre deste olhar triste, deste canto de boca caído, desta sensação de incompetência em viver, inabilidade em sentir felicidade, Deus me livre.
         Me livre também desta consciência que me pesa, não por ter feito muita coisa errada, mas, ao contrário, por ter tentado sempre ser tão certa. Deus me livre deste remorso que me consome, por não ter fugido com o circo, tido um filho com o trapezista, me apresentado em qualquer pequena cidade perdida neste mundo, pintada de vagabunda e pensando ser artista. Deus me livre.
         Deus me livre dessa ignorância que me consome, e que tento sanar engolindo palavras, livros, compêndios. Deus me livre dessa gana de ser mais do que minha própria pessoa, e que me tira o sono, noite sim e outra também.
         Deus me livre desta falta de humor que me tem perseguido, consumido, engolido. Era mais feliz quando era sarcástica e ácida com minha própria história. Agora que vejo quem sou, ai, Deus me livre, me descontento todo dia...
         Que eu possa contentar-me com coisas simples, como um prato cheio na minha frente, o lençol limpo na minha cama, e a novela das seis, sete e oito a me esperar, avidamente, para aumentar o número do ibope. Que eu possa contentar-me em ouvir as vozes no rádio, e não cantar; ouvir instrumentos, e não tocar; ver belos desenhos, e não encostar o carvão no papel em branco, amarelado de tanto esperar.
         Que eu possa contentar-me em ser somente mais uma dentre a multidão, que faz churrasco aos domingos e entorna muita cerveja, para rir e falar bobagem sem ter culpa no cartório. Que eu possa esquecer sonhos mirabolantes, porque quem nasce pra tostão, não chega a vintém, e seguir com todos os navegantes.
         Deus me livre da existência sofredora que tenho, cheia de consciência; quero a ignorância dos inocentes, dos desajuizados, dos iletrados, que não sabem e por isso também não são cobrados.
         E por fim, e pensando bem, se Deus não puder me livrar de mim mesma, então que me dê sabedoria e clara vidência, para que possa cumprir minha sina com dignidade e um sorriso bobo no rosto, como todos os iluminados o fizeram, segundo constam nos compêndios possuídos pelas traças, e que herdei da bisavó do retrato.

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