No volante do carro,
percebo as mãos ressecadas, as manchas senis se delineando. Os joelhos reclamam
quando aperto os pedais neste trânsito infernal, andando a doze por hora numa
das artérias principais da cidade. Provavelmente, enfartando, a antiga
metrópole! E eu aqui, constatando que não estou muito melhor do que ela:
desgastada, entupida – com certeza – por dentro, mas proclamando minha vida a
cada respiração.
Ao meu lado esquerdo, vislumbro árvores centenárias,
Parque do Ibirapuera. A diferença das espécies: árvores tornam-se esplendorosas
a cada punhado de anos que acumulam, e seus troncos ganham nódulos, vincos, que
as enfeitam. Humanos decaem, perdem centímetros, acuidade visual, paladar para
a boa comida; a musculatura diminui, e a pele sobra, rugas, vincos, marcas do
tempo, nem sempre – quase sempre – desagradáveis.
Meu compromisso exige pressa, mas minha idade grita
calma. Ganhei, pela impossibilidade da eterna juventude, a virtude da
paciência. Confesso, ainda sou impaciente, afinal o sangue quente grita em
minhas veias, mas melhorei um bocado. Constatação dos outros, palavras alheias.
Meu espírito continua com vinte anos, e não havia se dado conta dos silêncios
que me tomaram nos últimos tempos, frente a tempestades dos outros. Antes trovoava
junto, hoje aprecio o espetáculo nem sempre agradável.
Novamente olho as minhas mãos. Um enfado toma meu peito. Por
que, penso eu, o corpo não acompanha o espírito e estaciona na nossa melhor
idade? Não precisaria ser aos vinte anos, talvez mais para frente, no auge do
corpo, da libido, da beleza consciente... mas as mudanças se infiltram a cada
dia – ou talvez a cada noite, quando nossa alma deixa o corpo á sua própria
mercê.
Recordo de momentos engraçados, quando perguntava a minha
mãe por que meu vestido havia encolhido, aos sete anos; ou quando tentava
omitir para mim mesma os pequenos seios apontando, como se pudesse continuar
minha infância deste modo. Inconteste, o corpo tomou formas, e não sabia o que
fazer com elas; as escondia em largas roupas, ombros curvados, cabelos caídos
no rosto. Perdia-me em outros mundos, mais seguros do que este, entre palavras
e traços, melodias e sonhos. Lembro de uma foto antiga, de maiô, que escondi
por anos, me achando horrível. Ao resgatá-la, dia destes, olhei aquela bonita
moça e pensei no desperdício com que nos brinda a ignorância da tenra idade.
A realidade, o corpo, a madurez brindou-me com
experiências, cicatrizes, cabelos pintados aqui e ali com o branco, e rugas de
riso – ainda bem – ao redor dos olhos, e nos cantos da boca. Comparar não é a melhor
atitude, mas as prefiro àquelas rugas que marcam cenhos franzidos pela
eternidade, ou cantos de boca caídos, como um ríctus. Me pego rindo sozinha, e
a moça do carro ao lado sorri para mim. Talvez pense que estou surtando. Talvez
esteja. A idade nos tira certos filtros de ilusão, e a normalidade não nos
acompanha mais. Chego ao meu destino, e isto não é muito. É só parte da
jornada. Meu destino final, comum a todos que vivem, não chegou. Mas minhas
mãos me lembram que a mão do tempo já vem me guiando para ele, dia a dia.
- este post é parte integrante do projeto “caderno de notas – terceira edição” do qual participam as autoras Ana Claudia Marques, Ingrid Caldas, Lunna Guedes, Mariana Gouveia, Tatiana Kielberman, Tha Lopes e Thelma Ramalho.
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