Teresa
estava no centro da cidade. Resolveu entrar numa pequena lanchonete para fazer
um lanche. Sentada numa mesinha longe da porta, de costas para o movimento da
rua, vira-se quando escuta uma voz conhecida chamar seu nome.
-Ora, é
você mesma! Bem que te reconheci, você parece que não muda! – falou a moça
sorridente, atitude prenunciando um abraço.
- ah,
Betina, que coincidência boa! O que faz aqui no centro? Eu vim atrás de
tecidos, e você?
- ih,
Teresa, vim atrás de material escolar mais barato para os meninos. Aconteceu
tanta coisa nestes últimos meses. Silvio me deixou sozinha com os meninos.
Estou me virando só com as aulas que dou, um ou outro bolo de aniversário que
encomendam.
- Betina,
sinto muito. Mas vocês não estavam bem? A última vez que os vi estavam bem,
apesar que já fazem uns dois anos, acho. Quer conversar um pouco, sente aqui
comigo, não quer pedir um lanche também?
Betina
sentou-se de frente para Teresa, o atendente se aproximou, ela pediu seu lanche
e um suco, e recomeçou a falar.
- Eu não
percebi de início, mas ele estava ficando mais calado. Eu estava preocupada com
ele. Caprichava no jantar, tentava saber o que era, mas ele não me dizia nada.
Então um dia, sem justificar nada, me aparece com uma mala pronta, vindo do
nosso quarto, e falou para mim e para os meninos que estava indo embora de
casa.
- hum...
e você?
- pedi
para ele explicar o que estava acontecendo, eu e os meninos não estávamos
entendendo nada. Pedi para ele ficar e conversarmos, mas não adiantou. Começou
a me atacar verbalmente, que a culpa era minha, que não me aguentava mais... –
Betina baixou o olhar, olhou para as próprias mãos, nervosamente entrelaçadas –
e se foi.
- sinto
muito pelo acontecido... e os meninos, como estão?
- eles
também não entenderam nada. No final de semana seguinte ele veio vê-los, mas
não me dirigiu a palavra. Não sei o que fiz para ele. Larguei meu trabalho de
administradora de empresa para cuidar dos meninos como ele queria; cuidava
dele, das crianças, da casa, comida, roupas... Até dois anos atrás eu nem
trabalhava! Se não fossem as aulas que peguei para dar e os bolos que faço, não
sei como estaria me arranjando.
- espera
aí, ele não está pagando pensão para os garotos?
-
acredita que não? Pior do que isso, fiquei sabendo por amigos comuns que ele
juntou-se com uma outra mulher. Consegui falar com ela, e ela me contou que ele
disse a ela que era separado. Estava com ela há quase dois anos...
- e você
não vai fazer nada, Betina?
- na
verdade eu já fiz. Coloquei um processo para que ele pague a pensão dos
garotos. Mas estou me sentindo tão culpada, Teresa!
- culpada
por que? Vamos lá, me diga.
- ele diz
que saiu de casa por minha causa, mas nunca me disse o porquê... ele vai ficar
muito bravo quando souber que eu fiz isso. Agora ele deu de falar para os
meninos e para amigos que fui eu que o coloquei para fora de casa!
- então
vamos fazer o seguinte? Vamos olhar para a situação com racionalidade.
Primeiro, teus filhos viram ele saindo pela porta afora sem motivos. Este é o
ponto um.
- Certo.
-
segundo, o fato dele não querer mais estar com você não significa que ele possa
abdicar da paternidade. E mais ainda: ele tem que entender que com esta
atitude, prejudica os garotos não só materialmente, mas também emocionalmente,
pois não vão se sentir amados por ele.
- sim, eu
não havia pensado nisso, juro!
-
terceiro: perceba que quando a pessoa sabe que está errada e não tem maturidade
para assumir os seus atos, ele tem que arranjar algum culpado.
- é ...no
caso ele diz que sou eu que o coloquei para fora, e não ele que saiu pela porta
afora!
- viu?
Outra atitude que ele deve ter tido: arranjar justificativas para o que fez. No
caso dele, ao invés de admitir que está largando a família porque está
apaixonado por outra (o que é humanamente possível, perdoável, ninguém tem a
obrigação de viver com quem não tem mais nada), ele resolveu dizer que o
problema era com você.
-
verdade!
-agora me
diga, você está se sentindo culpada por qual motivo mesmo?
-nenhum! –
Betina sorriu, semblante relaxado – ele pode se apaixonar, viver a vida dele,
eu vivo a minha. Vou trabalhar, tentar voltar para minha antiga profissão, mas
ele não pode fugir das responsabilidades de pai dele, nem detonar
emocionalmente os meninos!
-
perfeito!- Teresa bateu palmas. – e lembre-se: não se curve diante do vitimismo
dele. Vai querer te manipular. Se isto ocorrer, peça um mediador público, para
que este possa guiar a conversa de vocês de forma tranquila.
- Teresa,
encontrar você hoje foi a melhor coisa que podia me acontecer!
Teresa
sorriu, deu a mão para a amiga por cima da mesa, e falou com ternura:
- a gente
está neste mundo para ajudar. Fico feliz por termos nos encontrado também.