Antes, bem antes, eu
nada decidia. Você sabe, não é? Quando eu andava em sombras, e achava que a
minha vida e minha felicidade dependiam dos outros, eram moldadas por seus
atos, críticas e comentários, vontades e desvontades.
Antes, bem antes, eu
nada decidia. Quem me viu sabe. Quando meu corpo me largou, me dizendo:
dane-se, sirva aos outros, se puder. E eu não pude. Simplesmente não pude,
porque o corpo me faltava. O corpo, instrumento de precisão e de prazer, de
desgosto e exaustão, ele me faltou, para que eu aprendesse quem é que
importava.
Antes, bem antes, eu
não sabia o que era sonhar meus sonhos. Aluguei sonhos alheios, por tão longa
temporada que os pensei meus. Aluguei-os por tão longa temporada, que podiam me
chamar por outros nomes, e em outras línguas, e eu atenderia.
Mas hoje, hoje sou uma
mulher de escolhas. Começou com uma bem simples: querer viver ou querer morrer.
Preferi tentar viver, porque morta, percebi, eu já estava, e não era divertido,
trazia dor na alma e no corpo. Também declarei minha total incompetência para o
masoquismo. A segunda escolha foi mais difícil: sonhar ou não sonhar. Afinal,
sonhar requeria uma prática que eu não tinha. Resolvi sonhar, já havia pago a
minha cota por alugar sonhos alheios e tentar fazê-los meus.
E o que começou a se
desenhar no abstrato, interpenetrou o meu mundo concreto, real. Comecei a
reconhecer o incômodo nos olhos das pessoas que me cercavam. Eu havia sido
abduzida, ou algo assim? Onde estava a mansidão da ovelha, a obediência, a
afabilidade? Perdeu-se em algum lugar, junto com a necessidade quase que
irracional que eu tinha, como tantas outras, de ser alguém só ao lado de um
outro alguém. Hoje me basto sozinha, e só aceito comigo quem me acrescente.
Hoje escolhi viver,
redescobri meu próprio nome, minhas palavras prediletas, a minha melhor
companhia, e a quem eu devia amar acima de todas as coisas. Ah, e para quem me
perguntar a quem eu devo amar, resposta simples: a mim mesma. Foi assim que me
reaprendi, e hoje minhas pernas me levam aonde eu preciso ir, minhas mãos
agarram o que querem, e meus sonhos são só uma etapa para a realidade.
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